O aborto voltou à discussão com a tramitação do projeto de lei 1904/24, que se aprovado pode punir uma mulher que tiver sido estuprada e realizar aborto além da 22ª semana com pena equivalente à de homicídio.
Em Minas, entre 2022 e março de 2024 (último dado disponível), 5.856 meninas de 6 a 17 anos foram estupradas em Minas: são sete meninas estupradas por dia no estado. Neste período, 582 crianças de 10 a 14 anos engravidaram e pariram outra criança, enquanto os hospitais de referência realizaram apenas 26 abortos em meninas desta idade.
Os dados foram solicitados pela Itatiaia às secretarias de Saúde e Segurança Pública de Minas, que compilam estatísticas de procedimentos no Sistema Único de Saúde (SUS).
Vale ressaltar que qualquer relação sexual com menor de 14 anos é, por lei, considerada estupro de vulnerável — quando não há possibilidade de consentimento. Está no artigo 2017-A do Código Penal Brasileiro, que diz: “Ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos”. Diante disso, essas meninas têm o direito de abortar legalmente no país.
O aborto é crime no Brasil. No entanto, o paíspermite a interrupção da gravidez em três casos:
- estupro;
- risco de vida à gestante e ao feto;
- feto anencéfalo: má formação do cérebro do feto que não permite que ele sobreviva fora do útero materno
Todo abuso resulta em traumas imensuráveis, mas, nem sempre, em gravidez. Segundo a Secretaria de Saúde, não é possível levantar o número de meninas de até 14 anos engravidadas pelo abusador. Mas, só neste ano, até março, 55 meninas de até 14 anos pariram. Em 2023, foram 252 e, em 2022, 275 (portanto, 582 em 27 meses).
O número de abortos legais em meninas de até 14 anos é bem menor do que o de crianças que deram seguimento à gravidez: 8 em 2022 e 14 em 2023. Ainda não há dados para 2024.
“Mesmo permitido, o acesso a este serviço é extremamente difícil e precário, pois médicos podem, por convicção pessoal, se negar a realizar o procedimento. Ainda, menos de 2% das cidades brasileiras têm unidades de referência para o abortamento legal”, analisa a advogada especialista em gênero, Caroline Vargas Liebstein.
No estado, segundo a pasta, atualmente existem 108 instituições hospitalares pactuadas como referência para o atendimento às vítimas de violência sexual. Destas, 34 instituições são também referências para a realização da interrupção da gestação prevista em lei.
Com o Projeto de Lei 1904, a discussão acontece sobre as 22 semanas: esse tempo não seria suficiente para que providências sejam tomadas? Para responder essa questão, a especialista explica como se dão os estupros cometidos contra meninas e, por que, pode demorar mais do que isso.
“Estes estupros são cometidos principalmente por pessoas muito próximas e da família. São pais, padrastos, tios, irmãos, avôs e amigos íntimos. Sendo assim, muitas vezes essa menina só terá coragem de contar sobre o abuso, (ou ainda terá sua palavra validada), quando essa barriga começa a crescer. Aí vem a peregrinação para encontrar um hospital que realize o procedimento. Por isso, infelizmente, é tão comum vermos notícias de crianças com uma gestação já avançada lutando pelo seu direito legal de realizar um aborto”, disse.
Partos realizados de 10 a 14 anos
2024: 55 (até março)
2023: 252
2022: 275
fonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG)
Estupro consumado de 6 a 17 anos
2024: 754 (até abril)
2023: 2.596
2022: 2.506
fonte: Secretaria de Segurança de Minas Gerais (Sejusp)
Abortos realizados meninas de até 14 anos
2024: não há números divulgados
2023: 14
2022: 8
fonte: Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG)