Misoginia: o que significa, quais as origens e como combater 

Mulheres são responsáveis pelo que os homens fazem;    Mulheres dizerem ‘não’ para homens é um crime de ódio;   Mulheres que falam por si mesmas são exclusionárias; As opiniões femininas são violência contra os homens, mas a violência dos homens contra as mulheres é justificada;  Homens sempre sabem as ‘verdadeiras razões’ para tudo que as mulheres fazem ou falam.

Essas são as regras da misoginia – que significa aversão e ódio às mulheres. Há quem atribua a lista à feminista e escritora americana Andrea Dworkin (1946-2005),  mas o mais possível é que o texto tenha sido traduzido e ganhado novo corpo a partir das percepções da violência discutida por mulheres nos tempos de hoje.

A discussão sobre o termo foi amplamente debatida nos últimos dias depois do país se escandalizar com a revelação de grupos masculinistas denominados “Red Pill”. Como reação, um  projeto foi protocolado para criminalizar a misoginia. Mas, afinal, o que isso significa? Como a lei seria aplicada? Uma nova lei resolve o problema?

Para responder às questões,  a reportagem da Itatiaia conversou com  Bruna Camilo, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais  (PUC-Minas), com a professora Valeska Zanello, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB) e com deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG).

Primeiro, quando desigualdade entre homens e mulheres começou?

“As mulheres são vítimas de misoginia porque, historicamente, existe a subalternização das mulheres”, explica cientista-política Bruna Camilo, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais  (PUC-Minas).

Para entender o que é a misoginia – o ódio às mulheres –  é preciso voltar à história e as raízes da opressão feminina. Há registros da  submissão feminina desde o período pré-histórico, conforme a pesquisadora e historiadora Gerda Lerner (1920-2013)  pontua no livro “Criação do Patriarcado”. Mas vale o destaque importante quando a sociedade passa a compreender a ideia de propriedade no início da organização do capitalismo. 

“Nesse período, a mulher começa a ser vista como propriedade privada do homem para que ele deixasse seus bens para seus filhos legítimos. Sendo assim, as mulheres deveriam se relacionar somente com um homem”, explica Bruna. 

Com a união, a mulher se torna posse do homem e responsável pela manutenção da casa, dos cuidados dos filhos e do próprio homem. “Cabendo ao homem ser o grande chefe da família, o patriarca”, acrescentou a especialista. 

Com isso, se constroem a ideia do que é ser homem e mulher na sociedade, ou seja, os  estereótipos de gênero: conjunto de expectativas sobre um determinado grupo deve se comportar. Esses conceitos são ensinados às crianças desde o nascimento. 

Por exemplo: é esperado da “mulher ideal” que seja  bela, frágil,  recatada e obediente. Já dos homens:  fortes, provedores, viris. Isso tudo sob a lógica de que esses comportamentos são “naturais” e “biológicos”.  O que a ciência já provocou é que não.  

Portanto, essa ideia de que mulheres nascem com essas características  têm como objetivo  manter a mulher em uma posição de servidão e subalterna. 

E como a misoginia opera?


Misoginia é o sentimento de ódio, aversão e repulsa à mulher. A  cientista política Bruna Camilo explica que é a partir dessa ideia de que as mulheres são inferiores em relação aos homens surge um movimento que despreza tudo que se remete à mulher. 

“A misoginia é o total ódio às mulheres.  E essa aversão pode ser representada por falas por discursos, por práticas violentas –  sejam físicas, psicológicas, sexuais, morais ou patrimoniais  – contra as mulheres”, pontua Bruna.

Pode parecer contraditório, mas como a cientista política pontua, se enganam os homens que acreditam que por se  relacionarem com mulheres que não sejam misóginos.

Inclusive, de acordo com os últimos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021), o principal autor do feminicídio é o companheiro ou ex-companheiro da vítima (81,7%), seguido de parente (14,4%). 

As casas continuam sendo, desde sempre, o local em que as mulheres são mais vítimas de feminicídio. 65,6% do total de crimes cometidos ocorreram na residência.

A violência sexual também é, na maioria das vezes, um crime perpetrado por algum conhecido da vítima, parente, colega ou mesmo o parceiro íntimo: 8 em cada 10 casos registrados no ano passado foram de autoria de um conhecido.

Os impactos

A discussão sobre misoginia foi fomentada nas últimas semanas depois que a atriz Lívia La Gatto foi ameaçada de morte e solicitou medida protetiva contra o influenciador Thiago Schutz, conhecido como Coach do Campari.

Lívia revelou que, após satirizar comentários do influenciador relacionados a mulheres nas redes sociais, ele enviou uma mensagem para ela no privado. “Você tem 24 horas para retirar seu conteúdo sobre mim. Depois disso é processo ou bala. Você escolhe”, escreveu Schutz.

Schutz ficou conhecido como dono da página “Manual Red Pill”, em que “ajuda” homens que buscam reafirmar a suposta superioridade masculina, criando uma lista de exigências para uma “mulher ideal”.

“Eles precisavam criar  justificativas (injustificáveis) para explicar porque que as mulheres não seriam sujeitas como os homens”, explicou a professora Valeska Zanello, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), pós-doutora em psicologia clínica e autora do livro ‘Saúde Mental, Gênero e Dispositivos’. E, assim, manter a hierarquia de poder.

“Nos séculos passados, pessoas nascidas do sexo feminino eram consideradas mais débeis, mais fracas, intelectualmente, fisicamente e moralmente. Hoje, muitos discursos do Redpill utilizam dos mesmos argumentos. A gente precisa no século 21 realmente combater isso e mudar essa página da história”, acrescentou.

Esses argumentos não moldam apenas a visão dos homens sobre as mulheres mas, também, das próprias mulheres. 

“Com a chuva de  informações que a internet nos dá sobre como o corpo da mulher deve ser pode provocar distúrbio de imagem, o aumento do índice de cirurgias, o aumento da disputa entre mulheres, por exemplo”, disse. Bruna conceitua esse movimento como a “monetização da misoginia”. 

O projeto de lei

Como reação, na semana passada, a professora e psicóloga Valeska Zanello propôs uma  ideia legislativa  para criminalizar a misoginia. Em cinco dias, a petição on-line alcançou mais de 21 mil assinaturas.

A sugestão descreve a punição da misoginia que “inclui injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro; promover discurso de ódio; hostilizar por palavras, cantos, gestos, atos, pessoas em razão do seu sexo feminino.”

“É importante que o estado reconheça que isso está errado, que não é aceitável  e que seja crime para ser combatido”, pontuou a psicóloga. 

A deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG) que assina o PL. O projeto foi protocolado na sexta-feira (3). “Agora passará pelas comissões da Casa, como a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e de Constituição de Justiça. Vamos trabalhar para pedir a urgência do projeto ainda neste mês de março”, disse. Veja o que diz o projeto

§1º Define-se como misoginia, para os fins desta lei, a manifestação que inferiorize, degrade ou desumanize a mulher, baseada em preconceito contra pessoas do sexo feminino ou argumentos de supremacia masculina.

A deputada  também pontua, na prática,  como a lei pode ajudar. “Na Internet, há grupos organizados que vendem livros, cursos, todos tendo em comum o ódio em relação ao feminino. Toda a mulher que se sentir ofendida, ter sua dignidade ou o decoro ferido, se sentir vítima de discursos odiosos e hostis poderá recorrer a alguma delegacia de polícia. Cabe ao delegado e ao promotor avaliar cada caso e indicar se a lei se aplica naquela situação”, explica.

Por Larissa Ricci / Itatiaia