As redes sociais têm possibilitado que pessoas compartilhem tanto bons momentos da vida quanto fases desafiadoras. O que, antes da existência desses aplicativos, só era acompanhado pelos mais próximos, hoje pode ser visto, se for do desejo da pessoa, por milhares e até milhões de seguidores.
Esse também é o caso de quem convive com doenças crônicas e terminais e decide falar abertamente de tratamentos, dias difíceis, vitórias e mesmo sobre a morte na internet. É o caso da influencer Isabel Veloso, que não só posta seu dia a dia, como responde seguidores, tira dúvidas dos curiosos e fala sobre a experiência do seu diagnóstico.
A partir desse movimento, o termo “cuidados paliativos” tem se tornado mais conhecido, apesar de sua disseminação em serviços de saúde ainda não ser tão ampla quanto o desejado pelos profissionais da saúde que lidam com essa área. Especialmente no caso de crianças e adolescentes que teriam demanda e direito a esse tipo de serviço, a abordagem ainda está no início, segundo a pediatra e paliativista pediátrica no serviço de atenção domiciliar da prefeitura de Belo Horizonte (SAD-BH) e no Hospital Infantil João Paulo II (HIJPII), Giane Moreira Praça. “Se no adulto essa é uma clínica jovem, na pediatria, somos quase recém-nascidos”, explica.
Para saber mais sobre cuidados paliativos voltados para crianças e adolescentes, Itatiaia conversou com Giane Moreira Praça. Confira:
O que muda nos cuidados paliativos quando o paciente é uma criança ou adolescente?
O cuidado paliativo já é uma abordagem voltada para pacientes e suas famílias. Mas vejo que na pediatria esse binômio paciente-família é ainda mais intenso, então, nossa abordagem nunca é apenas para o paciente.
Temos nas famílias, muitas vezes, nossos principais aliados no cuidado, para conseguir ajudar as crianças (verbais ou não) a se expressarem, a entender a resposta às nossas intervenções e a pensar no que mais pode ser feito diante do sofrimento que a doença ameaçadora a vida pode causar.
No cuidado paliativo pediátrico, também temos o desafio da comunicação que envolva as crianças, o desafio das doses das medicações e da mensuração dos sintomas que podem não ser tão simples quanto no adulto.
No caso de o paciente ter um quadro terminal, como e de quem é a responsabilidade dessa comunicação?
Essa é uma questão difícil. Muitas vezes as próprias crianças com doenças crônicas já se empoderam do seu processo de saúde e doença e conseguem delimitar o quanto e o que querem saber. E nos questionam!
A construção da comunicação nesses casos, claro, vai ser sempre adaptada a idade. E tentamos desenvolvê-la junto com a família, para que a comunicação seja respeitosa tanto para criança quanto para seus cuidadores.
Quando há uma discordância entre o que a criança quer saber e o que os pais querem que elas saibam, tentamos sempre entender o que de fato é o melhor interesse da criança.
O que eu vejo na prática é que, mais do que falar, devemos escutar as crianças e adolescentes. Elas têm uma percepção do que acontece com elas que nos surpreendem. Quem mais sente seu processo de adoecimento é ela, então é quem mais sabe de si mesma. Não tem como esconder um elefante branco no meio da sala, não é? Muitas vezes nem precisamos falar do elefante e sim escutar o que a criança/adolescente está entendendo e pensando sobre ele.
Qual a importância dos cuidados paliativos no caso de crianças e adolescentes?
O perfil de doenças na pediatria mudou ao longo dos anos. Atualmente, as crianças com condições crônicas (tais como doenças neurológicas, cânceres, doenças genéticas, cardiopatias congenitas) têm tido um aumento de sobrevida, pelos avanços tecnológicos e da saúde. Com isso precisamos adaptar o cuidado para esses pacientes — que seja com objetivo dar uma vida e tempo de qualidade. E que possibilite a construção de um cuidado proporcional e digno para os envolvidos.
Essa prática é mais recente no caso de crianças e adolescentes, em comparação com adultos?
Com certeza. Se no adulto essa é uma clínica jovem, na pediatria, somos quase recém-nascidos. Poucos serviços e pouco conhecimento sobre o que de fato é e sua importância. Ainda vinculam muito o cuidado paliativo a finitude, a morte, trazendo entraves importantes ao fornecimento desse serviço para as crianças que de fato têm demanda.